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6/06/2025

Receita Federal se posiciona, pela primeira vez, sobre o momento da tributação do Haircut

A Receita Federal analisou, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 74 de 2025 (“SC COSIT 74/25”), a tributação aplicável ao haircut concedido em planos de recuperação judicial (isto é, a receita reconhecida pela recuperanda, em conta de resultado, em contrapartida à redução do seu passivo).

 

A consulente, que se encontrava em processo de recuperação judicial, apresentou dúvida quanto ao momento em que a receita decorrente do haircut deveria ser reconhecida, para fins de IRPJ e CSLL. O plano de recuperação judicial, segundo informado, previa reduções de até 80% a determinados créditos.

 

O questionamento apresentado pelo contribuinte limitou-se ao momento da ocorrência do fato gerador referente à mencionada renda: se (i) no trânsito em julgado da decisão que homologa o plano de recuperação judicial, ou (ii) após dois anos do trânsito em julgado, com o efetivo cumprimento do plano e a não convolação da recuperação judicial em falência.

 

Entendimento da Receita Federal

O posicionamento adotado pelo fisco foi o de que o haircut obtido na recuperação judicial, qualificado como uma insubsistência ativa, seria tributável no momento da homologação do plano. A SC COSIT 74/25 destaca que, nessa data (homologação, e não trânsito em julgado da decisão homologatória), a situação jurídica que dá ensejo à renda estaria definitivamente constituída, nos termos dos artigos 114, 116 e 117 do Código Tributário Nacional. A Receita afastou a tese de que o desconto estaria sujeito a condição suspensiva, afirmando que eventual descumprimento do plano corresponderia, na verdade, a condição resolutória, sem impacto sobre o fato gerador já ocorrido.

 

O artigo 61 da Lei nº 11.101/2005 (“LFRE”) previa, em sua redação anterior, que havendo descumprimento das obrigações do plano vencidas em até 2 anos após sua homologação, a recuperação judicial seria convolada em falência e os créditos retornariam às suas condições originais. A redação atual manteve a possibilidade de fixação desse prazo em até 2 anos, mas em caráter facultativo, a critério do juiz.

 

Embora a Receita tenha se posicionado de forma categórica, a natureza da condição prevista no artigo 61 da LFRE continua a suscitar dúvidas entre aqueles que advogam na área recuperacional. Isto porque, se aplicado o referido prazo de 2 anos de fiscalização do cumprimento do plano, tal prazo poderia ser interpretado como um elemento que compromete a definitividade do haircut – i.e., uma condição suspensiva.

 

Sob outro viés, em se tratando de uma recuperação judicial onde o devedor efetivamente reduz o seu passivo na homologação do plano, parece-nos que, nesse caso, a regra contida no art. 61 da LFRE se alinharia mais com uma condição resolutória.

 

É importante notar que a SC COSIT 74/25 não trata de outras condições suspensivas que poderiam estar previstas pelo próprio plano como requisitos para o haircut. Por isso, segue sendo indispensável uma análise criteriosa de cada plano, para verificar o momento de ocorrência do fato gerador tributário referente ao haircut, e ainda mais relevante torna-se a construção estratégica de planos que prestigiem e equalizem a capacidade de a recuperanda também cumprir com as obrigações tributárias adjacentes.

 

Conclusões e ponderações preliminares

A SC COSIT 74/25 representa a primeira manifestação da Receita Federal, especificamente, sobre o momento da tributação do haircut, o que confere à orientação especial relevância em um contexto em que não há precedentes administrativos ou judiciais relevantes sobre este aspecto.

 

Destacamos, ainda, a importância de os contribuintes, ao formularem consultas, considerarem que a resposta terá efeito vinculante para as autoridades fiscais, o que na prática pode impactar todos os contribuintes em situação semelhante. Além disso, a COSIT, ao responder à consulta, está restrita ao que é questionado, tornando ainda mais relevante que sejam formuladas questões com precisão técnica e estratégica, que ponderem todos os impactos possíveis. No caso analisado, por exemplo, não foram abordadas as especificidades do plano de recuperação judicial em questão, resultando em uma orientação ampla e genérica.

 

Presume-se que o haircut analisado na SC COSIT 74/25 representaria um deságio, que, nos termos do plano de recuperação judicial, não estaria sujeito a condições suspensivas, empregando efeitos imediatos sobre a situação patrimonial da recuperanda. Tal informação, entretanto, não consta de forma expressa na orientação do fisco – o que, facilmente, pode induzir os milhares de auditores fiscais subordinados ao posicionamento da COSIT ao entendimento (equivocado) de que qualquer deságio, independentemente da forma como estruturado, deveria sofrer tributação imediata, no momento em que homologado o plano.

 

Esta conclusão, destacamos, não representa a realidade da maioria das recuperações judiciais (nas quais o deságio, no todo ou em parte, costuma ser condicionado a eventos futuros) e o entendimento do fisco pode vir a gerar alta litigiosidade para empresas que deveriam focar seus esforços no soerguimento de seus negócios.

 

Em razão do ineditismo desse entendimento do fisco, o Judiciário ainda não teve a oportunidade de proferir seu entendimento acerca dessa controvérsia referente ao haircut. No entanto, atualmente e de forma análoga, encontra-se em discussão o momento do fato gerador do IRPJ e da CSLL relativo ao indébito tributário reconhecido judicialmente e executado via procedimento de habilitação e compensação administrativa, o qual também se sujeita à condição resolutória.

 

Nesse ponto, há discussão quanto ao momento de reconhecimento do crédito tributário: se quando apresentado o primeiro pedido de compensação, nos termos da posição da Receita Federal; ou quando efetivamente homologada a compensação mediante extinção da condição resolutória. A definição dessa discussão poderá refletir o entendimento que o Poder Judiciário adotará, na hipótese em que suscitado a analisar o fato gerador do perdão da dívida decorrente do haircut.

 

Por fim, considerando que a Receita entendeu que se trata de condição resolutória a convolação da recuperação em falência após dois anos, fica a dúvida sobre como o contribuinte deveria proceder, relativamente ao tributo recolhido no momento da homologação do plano. Embora sejamos da opinião de que eventual IRPJ/CSLL recolhido sobre o haircut posteriormente anulado deve representar um crédito a ser recuperado pelo contribuinte, esta situação, infelizmente, não foi questionada pela consulente e, consequentemente, deixou de ser abordada na SC COSIT 74/25.