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Governo Federal Regulamenta Digitalização de Documentos
31/03/2020

Governo Federal Regulamenta Digitalização de Documentos

O Governo Federal regulamentou, por meio do Decreto nº 10.278, de 18.03.2020,  as normas técnicas e requisitos para digitalização de documentos públicos ou privados, com o objetivo de que tenham mesmos efeitos legais dos documentos originais.

Apesar de previsto na Lei de Liberdade Econômica (art. 3º, X, da Lei nº 13.874, de 20.09.2019, resultante da conversão da MP nº 881/2019) como um dos “direitos de liberdade econômica (…), essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País”, o dispositivo abaixo dependia da regulamentação para se tornar eficaz:

X – arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público;”

Dentre as principais disposições do Decreto, destacam-se:

  • Âmbito de aplicação: documentos físicos digitalizados produzidos por pessoas jurídicas (públicas ou privadas) ou pessoas físicas;
  • Exceções: o Decreto não se aplica a algumas categorias de documentos, tais como documentos nativos digitais, transações do SFN, microfilmes, audiovisuais, documentos de identificação e de porte obrigatório.
  • Regras de digitalização: os procedimentos e tecnologias devem garantir certas caraterísticas: integridade e confiabilidade do documento, rastreabilidade e auditabilidade dos processos; qualidade da imagem, legibilidade e uso; confidencialidade, se for o caso; e interoperabilidade entre sistemas.
  • Requisitos de digitalização: variam conforme o destinatário do documento digitalizado:
  • Para emprego perante entidades públicas, deverá conter assinatura digital (padrão ICP-Brasil) e seguir padrões técnicos mínimos especificados nos Anexos I e II do Decreto.
  • Para utilização entre particulares, no espírito da Lei de Liberdade Econômica, qualquer meio de comprovação da autoria, integridade e confidencialidade (se aplicável) serão válidos, desde que de comum acordo ou aceito pelas partes.
  • Na ausência de acordo prévio entre particulares, aplicam-se os requisitos de digitalização para entidades públicas, motivo pelo qual é interessante avaliar a conveniência de incluir tal previsão nos instrumentos contratuais celebrados daqui em diante. Note-se que a utilização da infraestrutura de chaves públicas (ICP-Brasil) garante a integridade, autenticidade e confidencialidade de documentos públicos e particulares (art. 18, II da Lei de Liberdade Econômica).
  • Responsabilidade pela digitalização: a digitalização poderá ser feita pelo próprio possuidor do documento ou por terceiros, mas o possuidor do documento físico será o responsável pela conformidade do processo de digitalização às normas do Decreto.
  • Descarte: feita a digitalização conforme as regras do Decreto, o documento físico poderá ser descartado, salvo se apresentar conteúdo de valor histórico.
  • Manutenção: os documentos digitalizados devem ser armazenados de maneira que assegure:
  • proteção contra alteração, destruição, e, se aplicável, acesso e reprodução não autorizados. Ou seja, a guarda dos documentos digitais deverá cercar-se de cuidados típicos das informações digitalizadas, como segurança da informação, backup e/ou armazenamento em nuvem etc.; e
  • indexação de metadados para permitir a localização, gerenciamento e verificação do processo de digitalização.
  • Preservação: documentos digitalizados sem valor histórico devem ser preservados, no mínimo, até o decurso dos prazos de decadência ou prescrição dos direitos a que se referem. Essa previsão reflete, acertadamente, o disposto no art. 195, parágrafo único do Código Tributário Nacional (“CTN”).

Seguem algumas considerações práticas:

As normas de digitalização aplicam-se também aos documentos fiscais, por expressa disposição da Lei de Liberdade Econômica, art. 1º, § 3º: “o disposto nos arts. 1º, 2º, 3º e 4º desta Lei não se aplica ao direito tributário e ao direito financeiro, ressalvado o inciso X do caput do art. 3º”. Como a ressalva trata expressamente da digitalização de documentos, concluímos por sua aplicabilidade ao direito tributário e financeiro.

Em relação à decisão de manutenção ou descarte, dada a potencial incerteza na forma com que as autoridades fiscais interpretarão, na prática, a possibilidade de descarte dos documentos físicos, recomendamos manter um período de transição (usualmente 5 anos) com manutenção simultânea de documentos físicos e digitalizados, somente se descartando os próprios documentos físicos após a ocorrência da decadência/prescrição. Ao longo desse período, caso haja um consenso favorável ao descarte dos documentos físicos, pode-se estudar a antecipação dessa medida.

Além disso, o decreto não define o conceito de documento com “conteúdo de valor histórico”, devendo-se exercer a prudência no descarte de documentos que possam conter tal característica, até que alguma orientação administrativa seja expedida.

Por fim, ainda com respeito ao conteúdo dos documentos, embora não conste do Decreto, aqueles que porventura apresentem dados pessoais ou impactos em relação à privacidade deverão se adequar às normas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD”), que entra em vigor em agosto de 2020.