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20/04/2021

Fiagro – O novo fundo de investimentos voltado para o agronegócio

O Agronegócio ganhou uma nova ferramenta para o seu desenvolvimento, representada pelos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (“Fiagro”), criados e regulados pela Lei nº 14.130, de 29 de março de 2021, para o fim de ampliar o acesso do Agronegócio ao mercado de capitais.

O crédito rural é fundamental ao desenvolvimento da atividade agropecuária brasileira.  No entanto, as restrições fiscais e, consequentemente, a redução de subsídios, passaram a requerer ajustes ou criação de novos mecanismos visando o seu sistema de financiamento.

Tanto no mercado financeiro quanto no Agronegócio, havia grande expectativa na criação do Fiagro devido à sua versatilidade como instrumento de financiamento das cadeias produtivas agroindustriais, força matriz da geração do PIB brasileiro.  Entretanto, com os vetos presidenciais, a seguir mencionados, esse fundo nasce com uma atratividade menor do que a esperada pelo mercado.

Ainda assim, a grande variedade dos ativos-investidos, por outro lado, traz versatilidade sem precedentes no mercado de fundos de investimento, amalgamando ferramentas utilizadas em outras modalidades (como FII, FIP e FIDC) e otimizando a sua aplicação.

Igualmente, a possibilidade de investimento na aquisição, arrendamento e alienação de imóveis rurais deverá representar um atrativo a investidores estrangeiros que, atualmente, estão sujeitos a restrições na aquisição de terras rurais.

I. Vetos

Infelizmente, com a sanção presidencial, a lei do Fiagro entrou em vigor com vetos aos temas de natureza tributária tratados no Projeto de Lei nº 5.191 de 2020, aprovado no Congresso.

Os vetos presidenciais discutidos a seguir ainda estão sujeitos à nova apreciação do Congresso Federal, e, caso venham a ser derrubados, poderão seguir para promulgação, publicação e entrada em vigor, renovando o otimismo do mercado financeiro e da indústria do Agro em relação ao Fiagro.

a. Isenção de IR

O presidente Jair Bolsonaro vetou, por recomendação do Ministério da Economia, a isenção de IR sobre rendimentos do Fiagro.  Rendimentos distribuídos pelo fundo aos cotistas estariam sujeitos a isenção do IRRF quando:  (i) o fundo tivesse mais de 50 cotistas pessoa física; (ii) suas cotas fossem transacionadas em mercados organizados (bolsa ou balcão); e (iii) nenhum cotista pessoa física detivesse mais de 10% das cotas ou direito de auferir mais de 10% dos rendimentos do fundo.

O Projeto de Lei que concebeu o Fiagro optou por submetê-lo ao tratamento previsto na Lei n° 8.668, de 25 de junho de 1993, que disciplina os FIIs.  Com isso, pretendia-se estender ao Fiagro o mesmo tratamento tributário aplicado ao FII, conferindo-se, assim, isonomia entre os setores do agronegócio e imobiliário.

No caso do FII, por exemplo, se um cotista tiver mais que 25% do total das cotas e for sócio ou construtor do empreendimento no qual o fundo investe, perdem-se os benefícios de isenção dessa carteira imobiliária e o fundo passa a ser tributado como pessoa jurídica[1]. É possível que restrição similar seja estendida ao Fiagro.

b. Diferimento do recolhimento do IR

As cotas dos Fiagro poderão ser integralizadas em imóveis rurais, desde que previamente avaliados por profissional ou por empresa especializada.  A princípio, caso o veto não seja derrubado, a integralização das cotas do Fiagro com imóvel rural é fato gerador do ganho de capital, como ocorre atualmente com os FIP.

Inicialmente, o Projeto de Lei considerava um diferimento do fato gerador do ganho de capital sobre a integralização com imóvel rural para o momento da venda das cotas, ou por ocasião do seu resgate no caso de liquidação do fundo, observado o pagamento do imposto diferido de forma proporcional à quantidade de cotas vendidas.

Essa previsão seria um grande propulsor para o setor, uma vez que permitiria a estruturação do Fiagro pelos proprietários rurais de forma menos onerosa, sem a obrigação de pagamento do imposto no momento de emissão das cotas.

Da forma como sancionado, o Projeto de Lei permitiria que produtores rurais tivessem acesso a esses fundos oferecendo seus próprios imóveis rurais como pagamento.  Esse mecanismo deveria favorecer a capitalização de muitos integrantes da cadeia do agronegócio brasileiro, inclusive grupos familiares, permitindo novas estratégias de planejamento patrimonial e sucessório. Não fosse pelo veto, teríamos um grande incentivo para que herdeiros de propriedades, por exemplo, que não têm dinheiro para cobrir o imposto, ou donos que estavam há muitos anos com o imóvel, decidissem vender.  É um setor em que a falta de liquidez sempre atrapalhou as transações, já que envolve valores muito altos e investimentos de longo prazo.

Os vetos foram propostos pelo Ministério da Economia, com a justificativa de que os dispositivos implicavam em renúncia de receita e sem que houvesse (i) previsão de corte equivalente de despesa; (ii) prazo de vigência dos benefícios; e (iii) estimativa de impacto orçamentário, como determina a legislação.

Na forma em que se encontra, com vetos que afetam os benefícios fiscais originalmente previstos pelos investimentos no Fiagro, é possível que tal fundo tenha sua atratividade no mercado prejudicada.

II. Ativos Investidos e Estruturação

O Fiagro poderá ter como ativos:  (i) imóveis rurais; (ii) participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia agroindustrial; (iii) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas ou jurídicas que integrem a cadeia agroindustrial; (iv) direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio; (v) direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio; e (vi) cotas de fundos de investimento que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos ativos listados acima.

A atenção do mercado se voltou para a possibilidade de o Fiagro adquirir, diretamente, direitos creditórios do agronegócio, ao passo que, no FII, essa modalidade de investimento deve ser estruturada por meio de um dos ativos listados na regulamentação.  No caso do Fiagro, esse fundo poderá ocupar parte do espaço a que se dedica o FIDC, cuja atuação tem sido reduzida pela utilização do CRA como veículo de securitização de carteiras do agronegócio.

Outras diferenças incluem:  (i) a possibilidade de se constituir o Fiagro sob a forma de condomínio fechado ou aberto, ao passo que, no FII, apenas a primeira opção é permitida; e (ii) a não obrigatoriedade, como há no FII, de distribuição semestral de 95% dos lucros, conforme o regime de caixa.

Importante notar que mais de um veículo de securitização poderá ser utilizado para a captação de recursos.  Temos como exemplos a aquisição de direitos creditórios do agronegócio – que são, atualmente, realizadas por meio de CRA, FIDC e debêntures financeiras – e de imóveis rurais, para os quais o FII é a principal opção.  O Fiagro será, assim, mais um veículo disponível ao mercado para esses e outros ativos, mas, por ora, sem o atrativo de um tratamento tributário mais benéfico.

III. Imobiliário

No âmbito imobiliário, destacamos quatro temas relevantes:

  1. Os Fiagro poderão arrendar ou alienar os imóveis rurais que venham a adquirir;
  2. Em regra, no arrendamento de imóvel rural pelos Fiagro, prevalecerão as condições livremente pactuadas no respectivo contrato, observado que a desocupação por inadimplemento do arrendatário respeitará o prazo mínimo de 6 meses e máximo de 1 ano, coincidindo com o término da safra plantada;
  3. As cotas do Fiagro poderão ser integralizadas em imóveis (conforme acima apontado); e
  4. No caso dos investidores estrangeiros, haverá a possibilidade de investimento indireto em imóveis rurais.

A Lei n° 13.986/2020 modificou a Lei n° 5.709/1971, permitindo a aquisição de terras rurais por estrangeiros no caso de excussão de garantias.  No entanto, o assunto é ainda bastante controverso e não há previsão de quando os projetos, para a regulamentação do art. 190 da Constituição Federal, e visando estabelecer critérios para a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, como por exemplo o PL 2.963/2019, serão aprovados.

Nessa circunstância, a instituição do Fiagro poderia ser útil para permitir ao investidor estrangeiro participar do mercado de terras rurais no país, sem, no entanto, ter posse ou domínio de tais propriedades, por força das restrições atualmente existentes, fundamentadas em razões de segurança nacional.

Conclusão

O Fiagro representa mais uma ferramenta importante para o desenvolvimento do Agronegócio brasileiro.

Os vetos presidenciais não acompanharam a realidade do mercado, que é dinâmica e está em constante amadurecimento.  A indústria do Agro é hoje a principal protagonista da economia brasileira e depende do capital privado, tanto nacional quanto estrangeiro, para impulsionar ainda mais o seu desenvolvimento e realizar o potencial de todas as etapas de sua cadeia produtiva.

Em seu formato original, o Fiagro era bastante atrativo ao mercado de varejo, pois, além de liquidez, o fundo assegurava benefício fiscal na aplicação em títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integram a cadeia produtiva agroindustrial – incluindo, desse modo, a Cédula de Produto Rural (CPR), o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), o Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), o Warrant Agropecuário (WA) e a Cédula Imobiliária Rural (CIR).

Assim, a expectativa do mercado é de que o Fiagro crie novas oportunidades no mercado financeiro e na indústria do Agro, seja mediante a derrubada dos vetos presidenciais, ou mesmo pela criatividade dos players.  Cabe, por fim,  à CVM disciplinar a constituição, o funcionamento e a administração desse novo instrumento de investimento.


[1] O FII que aplicar recursos em empreendimentos imobiliários que tenham como incorporador, construtor ou sócio, quotista que possua mais de 25% das quotas do fundo, seja de forma isolada ou em conjunto com pessoa ligada (física ou jurídica) ao quotista, ficará sujeito à tributação aplicável às pessoas jurídicas, ou seja, estará equiparado a pessoa jurídica. (Lei n° 9.779/99, artigo 2°; RIR/2018, artigo 158, § 5° e artigo 831; Instrução Normativa RFB n° 1.585/2015, artigo 38).
Conforme o parágrafo único do artigo 2° da Lei n° 9.779/99, é considerada pessoa ligada ao quotista:
a) pessoa física:
I) os seus parentes até o segundo grau;
II) a empresa sob seu controle ou de qualquer de seus parentes até o segundo grau;
b) pessoa jurídica, a pessoa que seja sua controladora, controlada ou coligada, conforme definido nos §§ 1° e 2° do artigo 243 da Lei n° 6.404/76.